segunda-feira, 16 de abril de 2012

Perspectivas Práticas em Piaget


Felipe Costa Mercadante       RA: 043369
Durante o curso, meu interesse tem sido em como os conhecimentos teóricos apresentados se relacionam com a minha prática em sala de aula. Por conta disso, a parte dos conteúdos que são voltados para as crianças, e para o seu desenvolvimento, acaba sendo menos relevante, ao menos diretamente (conforme comentarei mais a frente), do que o estudo dos processos em adolescentes. Isso não significa que o que acontece durante o sensório-motor e no pré-operatório não tenha, ao menos, sua importância no entendimento do processo de desenvolvimento cognitivo como um todo.
Como o meu trabalho é com adolescentes e adultos, o mínimo que se espera é que eles já tenham domínio de linguagem, de representações e símbolos, e a capacidade de abstração, que são desenvolvidos, segundo Piaget, nos períodos anteriores ao operatório formal. No entanto, esse desenvolvimento não acontece simultaneamente em todas as áreas, o que rompe com a classificação, feita por Piaget, em períodos determinados, sucessivos e delimitados por idades. Eu vejo, por exemplo, que alguns adultos, apesar de dominarem a linguagem e serem capazes de abstrações, não dominam, especificamente, a linguagem matemática, o que leva a problemas de aprendizado e desenvolvimento apenas dentro da matemática, sendo possível o aprendizado de conceitos em física e química (que utilizam a matemática).
É interessante perceber, no entanto, que a deficiência na linguagem matemática leva ao mesmo tipo de impedimento do desenvolvimento que acontece com a linguagem convencional. Por exemplo, alunos que não entendem as diferenças de alguns símbolos matemáticos, como o =, o $\Rightarrow$ e o $\Leftrightarrow$, também não são capazes de fazer o encadeamento correto de raciocínios ou se perdem em demonstrações mais longas. Além disso, o uso de incógnitas com funções específicas (representando uma classe específica de valores) torna-se algo difícil de entender para aqueles que não desenvolveram a capacidade de representação que o uso de incógnitas oferece. Esses exemplos servem para ilustrar o quanto a teoria de Piaget, mesmo quando trata de processos que deveriam acontecer apenas com crianças, pode ajudar a entender alguns processos de aprendizado em adultos, sendo ao mesmo tempo exemplos de ruptura com a teoria piagetiana.
Na minha opinião, a contribuição mais importante de Piaget, no processo educacional, é a ideia de que existe um desenvolvimento cognitivo, principalmente pela desenvolvimento dos esquemas, que acontece em paralelo com a apresentação dos conteúdos de cada disciplina escolar. Uma das maiores dificuldades de um professor, especialmente em matemática, está em justificar o ensino de alguns conteúdos que possuem pouca aplicabilidade prática (como matrizes e determinantes, trigonometria avançada, números complexos, etc). A justificativa, que alguns usam, de que esses conteúdos “expandem a capacidade de pensar” passa a ser subsidiada por Piaget, dada sua importância como ferramenta no desenvolvimento cognitivo.
Além disso, outra contribuição importante de Piaget é a compreensão sobre o papel da equilibração e do desequilíbrio no processo de aprendizado (apesar de Piaget preferir “aumento de conhecimento”) e como, através de acomodação e assimilação, o aluno aprende. Essas ferramentas auxiliam o planejamento do professor sobre a forma de se ensinar determinados conteúdos, utilizando uma sequência planejada de desequilíbrios, não exagerados, para levar o aluno ao entendimento de determinados assuntos (apesar de, como discutido durante as aulas, isso não ser condição suficiente para o aprendizado). Nesse ponto, começa a aparecer a importância também da afetividade no processo.
Antes de concluir, gostaria de apresentar um paralelo que surge entre o desenvolvimento moral e a relação do aluno com os conteúdos escolares. Durante alguns anos, a relação entre os alunos e esses conteúdos é pautada pela heteronomia: o aluno não discute o que lhe é apresentado, pois cabe ao professor (“detentor do conhecimento”) zelar pela relevância e pelo significado do que é apresentado. Isso prejudica muito o aprendizado, pois muitos alunos acabam apenas decorando, em vez de compreender a essência e a construção lógica ou a conquista científica por trás daquele conteúdo. Portanto, além da preocupação em se levar o aluno a uma autonomia moral, também deve existir, para o professor, a preocupação de levar o aluno a uma autonomia de raciocínio, para que o aluno possa efetivamente aprender.
Muito do que Piaget estudou é extremamente útil para as práticas em sala de aula. No entanto, a realidade mudou muito de seu tempo para hoje. Com o desenvolvimento das tecnologias, houve um aumento dos estímulos e desequilíbrios que podem ser proporcionados aos alunos, o que “acelera” as passagens dos estágios de Piaget. Ao mesmo tempo, a virtualização das relações humanas, a meu ver, tem levado a uma persistência prolongada do egocentrismo, sendo cada vez mais difícil que o aluno consiga olhar sob a perspectiva do outro. Com isso, surgiram novos desafios à prática em sala de aula que não foram estudados por Piaget, levando à necessidade de acomodação em sua teoria.

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