Introdução
Buscamos
através desta breve (porém rica) pesquisa, observar e refletir sobre certos
aspectos concernentes à arte, imaginação e criatividade nas escolas de ensino
público e privado. Não apenas nos limitando às faixas etárias estudadas, mas
também nos atentando à importância de tais elementos no desenvolvimento humano,
ao longo da vida.
Para a análise
dos dados coletados, nos ancoramos nos grandes teóricos Piaget, Wallon e,
sobretudo, Vygotsky. Relacionando aspectos da teoria à prática, observamos de
que maneira os estudos de tais pensadores podem ser vistos no cotidiano escolar
e até mesmo, no dia-a-dia como um todo. Além disso, apresentamos sugestões no
tocante à utilização das contribuições teóricas para a docência e não obstante mostramos
o grande valor da arte, imaginação e criatividade para o desenvolvimento do
sujeito o que implica, no desenvolvimento do próprio meio em que vivemos.
O objetivo do
trabalho é encontrar no dizer dos alunos, a representação que estes possuem
quanto à arte, criatividade e imaginação e como tais aspectos são trabalhados
na escola. Atrelando a tais propostas, também visamos obter opiniões do corpo
discente em relação à própria instituição educacional, bem como aos professores
que os ensinam.
Com
intuito de coletar dados variados em diferentes faixas etárias, nos dividimos,
cabendo a cada membro do grupo visitar uma escola. Elaboramos uma série de
perguntas relacionadas ao tema, depois fizemos uma votação para decidir quais
seriam utilizadas. Infelizmente, uma componente do grupo (Rafaela) não pode
continuar na disciplina, no entanto já havia coletado vários dados
interessantíssimos e explicado como se deu sua visita em uma escola privada de
São Paulo, assim sugeriu que utilizássemos o material. Visitamos quatro escolas:
escola pública de educação infantil e fundamental I (doravante Escola 1),
escola pública de ensino fundamental I (doravante Escola 2), escola pública de
ensino fundamental II e ensino médio (doravante Escola 3), por fim, escola
privada de ensino fundamental II (doravante Escola 4); onde fizemos entrevistas
com cinco alunos das seguintes faixas etárias:
Escola 1 (Educação infantil – 4 anos, 1º ano – 6 anos), Escola 2 (4º ano
– 9 e 10 anos), Escola 3 (5ª série – 11 e 12 anos) e Escola 4 (6º ano – 10 e 11
anos , 7º ano – 11 e 12 anos, 8º ano – 12 e 13 anos).
Posteriormente,
reunimos os dados coletados e juntos, pensamos nas respostas sob o olhar dos
autores que estudamos, nos debruçando primordialmente na perspectiva
histórico-cultural, considerando que Vygotsky nos foi de maior ajuda, por conta
de seu grande interesse acerca da arte, criatividade e imaginação, assim nos
oferecendo uma rica bibliografia para consulta. Relacionamos teoria e prática,
fizemos um balanço geral do que foi encontrado e finalmente, selecionamos
alguns tópicos para discorrer no seminário.
Análise teórica
Antes
de partirmos para a análise propriamente dita, julgamos de imprescindível
importância, conhecer o sentido de arte, criatividade e imaginação. Adotamos as
concepções de Vygotsky acerca de tais elementos. Sabemos que para o autor, o social é
fundamental para o desenvolvimento humano, é através da interação com o meio,
que o sujeito se constituirá como tal. Onde a arte se encaixa em tal processo?
Já
dizia Marx: “A arte é o social em nós”, é na arte que encontramos o acervo
cultural humano, emoções e pensamentos de gerações passadas. Através desta o
sujeito se encontra com o outro, por meio de si mesmo. A arte é a técnica
social do sentimento, pois vivenciamos nossas próprias emoções, através da obra
de outra pessoa (VYGOTSKY, 2001, p. 315). O social influencia o sujeito que
produz a obra, esta por sua vez influencia o sujeito que a vivencia e assim
continuamos a construir o meio. Nos identificamos com músicas, livros, quadros
etc; e para cada sujeito a emoção desperta será diferente, a (des) construção
que fazemos da obra lida (verbal ou não-verbal) é o que se constitui como
singularidade. Além disso, a arte tem função de catarse, isto é, transformação
de sentimentos em suas soluções, elaboração de emoções (VYGOTSKY, 2001, p. 309). A arte provoca
desequilíbrio, ao entrarmos em confronto com a obra, nos reestruturamos,
descarregamos tensões, é o equilíbrio entre sujeito e meio. A arte é a técnica
realizada através da criatividade que é: “Toda realização humana criadora de
algo novo, quer se trate de reflexos de algum objeto do mundo exterior, quer de
determinadas construções do cérebro ou do sentimento, que vivem e se manifestam
apenas no próprio ser humano” (VYGOSTKY, 2009, p. 8)
O
ser humano possui em sua essência o impulso criador, criamos a todo instante,
seja no modo de falar, se vestir etc. A base da criatividade é a imaginação e
esta é o que há de mais evoluído no Homem, pois através de tal, podemos
relembrar o passado (nisto, utilizamos a memória), pensar no presente e
projetar o futuro. A imaginação diferencia o ser humano do animal. A fantasia é
vista com maus olhos, por não ser considerada “real” e prática, mas pelo
contrário, o processo de imaginação é um trabalho que envolve emoção e
cognição, além disso influencia todos os campos funcionais[1]
da pessoa completa de Wallon, o sistema nervoso é ativado com a fantasia, por
exemplo, ao chorarmos assistindo a um filme. Como bem expressa, Vygotsky: “...representações fantásticas são
impressões da realidade” (2009, p.16).
No entanto, a
arte e todos os aspectos que a compõem vêm sendo relegados na sociedade e no
âmbito escolar. Como observamos nas
entrevistas, a escola pouco valoriza a arte, a criatividade e a imaginação. De modo
que nem mesmo os alunos conseguem associar criatividade à solução de problemas
lógicos (os considerados práticos). No dizer dos alunos, observamos uma
representação de arte que consiste no entretenimento, em algo que não rende
frutos importantes. É como se arte não servisse para nada, além de divertir e
passar o tempo.
Prossigamos
para as análises referentes a cada faixa etária observada.
Ensino infantil (4 anos) e 1º ano do ensino fundamental I (6 anos)
Vygotsky em Imaginação e criação na infância traz o
desenhar como expressão principal de criação na primeira infância, como diz Ana
Luiza Smolka “...o desenho ou pintura pode significar sem necessariamente
representar o real.” e que este se desenvolve por estágios.
No estágio
inicial do desenho constatou que a criança “desenha de memória não de
observação”, representando o objeto na forma de esquemas, ou seja, de maneira
simbolista e não naturalista, em que figuras humanas e de animais, os
preferidos das crianças, surgem como “seres esquemáticos”, transmitindo o que é
conhecido ou o que a criança julga como essencial no objeto. Um exemplo disso
acontece em desenhos que a figura humana aparece constituída de cabeça, pernas
e braços (figuras cabeça-pernas).
No estágio
seguinte, ainda tomando a representação da figura humana como exemplo, o
desenho, apesar de continuar esquemático, se aproxima do real, visto que a
criança não oculta mais as partes, e as figuras comumente aparecem como raio X
(as penas são desenhadas sob a calça).
Quando o
terceiro estágio é atingido os esquemas desaparecem do desenho e em um quarto
estágio a criança pode chegar a construir representações espaciais do objeto
(perspectiva, luz e sombra), no entanto para isso o ensino deve atuar como
mediador.
Na fase em que Vygotsky denomina
infância tardia a criança rompe com a atividade do desenhar que pode voltar ou
não entre os quinze e vinte anos de idade. Nesse contexto surge a questão: “Como
temos que nos relacionar com a criação artística na idade de transição? Ela é
uma rara exceção, deve-se estimula-la, dar-lhe importância, cultivá-la nos
adolescentes ou deve-se pensar que esse tipo de criação morre de morte natural
no limiar da idade de transição?” (2009, p.116). Diante de sua indagação o
autor coloca o princípio da liberdade, em que a participação da criança ou
adolescente nas aulas de criação é conseqüência de seus próprios interesses,
não podendo ser compulsória ou obrigatória.
Esses pontos
discutidos por Vygotsky foram facilmente observados nas Atividades Práticas,
uma vez que as crianças de quatro anos entrevistadas indicaram o desenhar,
pintar e brincar como principais atividades desenvolvidas na escola, acrescidas
da presença dos contos de fada. Aos seis anos as situações as quais o aluno é
exposto se diversificam , de maneira que a palavra escrita começa a ser
introduzida tendo como ferramenta o desenho (atividades que relacionam o
desenho com a palavra que o representa), além de brincar os alunos assistem
filmes e teatro, de modo que a ampliação de experiências favorece a imaginação
criadora. No campo do desenho e pintura ocorre um direcionamento para temas,
como a natureza, e para a cópia de “quadros”, o que possibilita a apresentação
de novas técnicas como a tinta e o pincel, porém sobre a cópia Vygotsky diz que
esta compreende um estágio superior e difícil, pois a criança não conhece o
objeto, apenas tenta reproduzi-lo em sua forma real. O pensamento infantil
mistura elementos da memória, usando a imaginação para narrar suas experiências
e até mesmo pensar nelas, trata-se da noção de pensamento sincrético dada por
Wallon.
De modo geral,
notamos que à medida que a criança cresce, outras atividades são inseridas e a
brincadeira parece adquirir a forma de jogos esportivos e as letras a ganhar o
lugar do desenho.
4º ano – 9 e 10 anos
No 4º ano,
vemos que os alunos fazem desenho "livre", as atividades são ditadas
pelo professor. Escrever é mostrar as palavras que saem da boca, aprender sobre
a vida. As lições não correspondem à criatividade. Imaginar é pensar no futuro.
Os professores apenas mandam e dão nota. Artista é artista de televisão e é
importante para a sociedade, pois ajuda os outros (em vários sentidos). A
criação de algum instrumento relaciona-se com o espaço. Escrevem sobre os
índios, verbos, Monteiro Lobato, lendas e as coisas que acontecem na cidade. Os
alunos gostariam de escrever sobre histórias que já conhecem. Escrever bem é
escrever com a letra bonita, direito, para que a professora goste.
Percebemos que
a subjetividade do aluno é reprimida, as criações são impostas, assim os alunos
inserem todo o grande potencial criativo que possuem em outros suportes, como a
internet. Vemos que o meio influencia em demasia as ideias dos alunos, visto
que a mídia encontra-se presente em grande parte das respostas dadas. A
capacidade criadora dos discentes é tamanha, que até mesmo conseguem
(des)construir saberes na internet, de forma impressionante, aumentado relações
com o diferente/o outro nas redes sociais. Desenhando imagens de si mesmo e
explorando conhecimentos. Na internet, a zona de desenvolvimento proximal é
explorada pelo próprio aluno, que se vê diante de várias coisas que ainda não
podem fazer sozinho, mas acaba conseguindo fazer depois de tentar algumas
vezes, sem o medo de errar e serem avaliados.
5ª série – 11 e 12 anos
O discurso dos alunos assemelha-se
com o que foi dito pelos alunos da faixa etária anterior. Estes têm a mesma
concepção de "boa escrita" que os alunos menores, a escrita é um fim
em si mesmo, e não um modo de se expressar e constituir-se , transformar-se. No
entanto, vêem na escrita, um modo de pensar melhor, estruturar o pensamento:
Suas criações também dizem respeito a um meio
de sair do lugar no qual se encontram. No entanto, a crítica ao modo de ensino
é mais desenvolvida, os alunos sugerem outras formas de ensino, mostram-se
ativos quanto a isto.
Estes escrevem textos sobre
aprendizagem, mas gostariam de escrever contos e poesias. As criações continuam
sendo impostas, mas os alunos já não podem fazer tantos desenhos, já que devem
seguir a apostila do governo do estado de São Paulo, que traz um conteúdo
sistemático, seguido à risca pelo professor.
6º ano - 10 e 11 anos
A partir da
visita a uma aula de Arte, observamos que estavam sendo feitas montagens
tridimensionais para mostra cultural, o conteúdo é ditado pela professora, tem
como tema o "Tietê". A professora diz que não ensina o conteúdo de
“História da Arte” pois acredita que os alunos não tem capacidade para
aprender sobre tal tema. Vemos neste discurso, um traço do pensamento
piagetiano, em que o sujeito aprende de acordo com a capacidade que seu estágio
de desenvolvimento lhe permite. Os alunos gostam de escrever, quando se trata
de tema livre e que não seja avaliado. Quando perguntamos sobre os professores,
um aluno diz: “eu odeio todos”, os outros dizem que isto ocorre porque : “eles
não entendem a gente”. Os alunos se expressam mais pelas redes sociais No
entanto, para estes a criatividade é vista como um instrumento de expressão e
transformação. A lógica dos alunos baseia-se, sobretudo, no capitalismo, os
objetos que gostariam de inventar (tecnologia) dizem respeito a um modo de
obtenção de dinheiro, ou então, como uma forma de extermínio da escola.
7º ano - 11 e 12 anos
Pelo que observamos, as respostas são
impostas, o professor legal é aquele que não exige muito, é paciente e brinca
com os alunos. Quanto aos professores chatos: “às vezes, a gente começa a falar
com outro professor e eles já, tipo, dão um cavalo na gente pra gente calar a
boca”; outro complementa: “as professoras, tipo, elas só querem dar aquele
negócio da aula e acabou”. Os entrevistados comentam ainda, que tais
professores protegem poucos e deixam os outros a nível inferior.
Não gostam muito de escrever, exceto quando se
tratam de coisas que eles gostam, escritos que não sofrem avaliação. Escrevem
bastante nas redes sociais. Criatividade serve para pensar, não possuem uma
definição muito clara. Uma aluna cita que é criativa ao inventar desculpas por
não entregar trabalhos. É interessante o fato de que a maioria dos alunos
gostaria de ter fama e dizem que para isso precisam estudar muito. As criações
estão relacionadas a instrumentos que façam coisas que eles anseiam inclusive
matar a professora de português.
8º ano - 12 e 13 anos
Os alunos tem uma visão ruim de
si mesmos. Fazem desenhos livres. Não gostam de ter muito trabalho, o
imediatismo é notável. Ninguém acha que a imaginação ajude no raciocínio.
Ninguém gosta de escrever redação. Porém, os alunos gostam de escrever bastante
nas redes sociais. A criatividade serve para interagir e "para as aulas de
Artes". O artista é um pensador, estudou bastante, acham importantes mas
não gostariam de ser artistas, preferem ser famosos. Os conteúdos são impostos,
salvo nas aulas de Filosofia. Os alunos gostariam de ter em aula, temas que lhes
são comuns, conhecidos. As criações estão relacionadas à tecnologia e dinheiro.
Considerações Finais
De modo geral,
percebemos que os alunos mostram-se com pensamento moldado de forma a pensar no
concreto acima de qualquer coisa, a abstração é relegada a segundo plano. Estes
mostram-se extremamente criativos, gostariam que a escola abordasse temas que
lhe são comuns, que fazem parte de suas experiências de vida, do dia-a-dia.
Nisto, vemos a importância do meio em que vivem. Além disso, é notável a diferença
de pensamento entre alunos da rede privada e da rede pública, enquanto estes
tem o dinheiro como principal ponto de ancoragem, aqueles anseiam pela
transformação social
No entanto, no
tocante às aulas de arte e língua portuguesa, ambos sofrem com a imposição de
conteúdos.
É de suma
importância que a arte, a criatividade e a imaginação sejam trabalhadas nas
escolas, o que vemos que não acontece nas escolas observadas. Sugerimos que os
professores colaborem para aumentar o acervo de experiências dos alunos,
oferecendo a estes um maior número de obras de outros, bem como a possibilidade
dos aprendizes realizarem sua própria arte. A imaginação e a criatividade devem
ser incentivadas, em todas as disciplinas, pois estas se encontram presentes
até mesmo no modo como os alunos resolvem exercícios matemáticos, sobretudo na
própria personalidade deste. É na arte que o aluno pode extravasar errar sem
temer e assim descobrir novos caminhos. Como Vygotsky salientou, a arte “surge
inicialmente como o mais forte instrumento na luta pela existência (...)"
(2001, p. 10)
O
ser humano nasce com a capacidade de criar e pode realizar a criação até mesmo
nas situações mais degradantes, é importante que a escola não reprima o impulso
criativo² do aluno. Se não fosse pela imaginação, nada teria sido inventado,
aliás, não seriamos humanos, muito menos sujeitos.[2]
Referências
OLIVEIRA, M.K. Vygotsky: aprendizado e
desenvolvimento: um processo sócio-histórico. SP: Scipione, 1997.
PIAGET, J. Psicologia
da criança. Rio de Janeiro: Difel, 2003.
VYGOTSKY,
L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984
______. Pensamento e Linguagem. SP: Martins Fontes, 1998.
______. Psicologia da
arte. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
______. Imaginação e criação na infância:
ensaio psicológico : livro para professores. Apresentação de Ana Luiza
Bustamante Smolka; Tradução de Zoia Prestes. São Paulo, SP: Ática, 2009.
WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70, 1995.
[1] Segundo
Wallon, a cognição humana é alicerçada em campos funcionais, os quais são:
inteligência, motricidade, afetividade e pessoa.
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