domingo, 17 de junho de 2012

Relatório Final* Atividades Práticas "Arte, Criatividade e Imaginação"



Introdução

Buscamos através desta breve (porém rica) pesquisa, observar e refletir sobre certos aspectos concernentes à arte, imaginação e criatividade nas escolas de ensino público e privado. Não apenas nos limitando às faixas etárias estudadas, mas também nos atentando à importância de tais elementos no desenvolvimento humano, ao longo da vida.
Para a análise dos dados coletados, nos ancoramos nos grandes teóricos Piaget, Wallon e, sobretudo, Vygotsky. Relacionando aspectos da teoria à prática, observamos de que maneira os estudos de tais pensadores podem ser vistos no cotidiano escolar e até mesmo, no dia-a-dia como um todo. Além disso, apresentamos sugestões no tocante à utilização das contribuições teóricas para a docência e não obstante mostramos o grande valor da arte, imaginação e criatividade para o desenvolvimento do sujeito o que implica, no desenvolvimento do próprio meio em que vivemos.
O objetivo do trabalho é encontrar no dizer dos alunos, a representação que estes possuem quanto à arte, criatividade e imaginação e como tais aspectos são trabalhados na escola. Atrelando a tais propostas, também visamos obter opiniões do corpo discente em relação à própria instituição educacional, bem como aos professores que os ensinam.
            Com intuito de coletar dados variados em diferentes faixas etárias, nos dividimos, cabendo a cada membro do grupo visitar uma escola. Elaboramos uma série de perguntas relacionadas ao tema, depois fizemos uma votação para decidir quais seriam utilizadas. Infelizmente, uma componente do grupo (Rafaela) não pode continuar na disciplina, no entanto já havia coletado vários dados interessantíssimos e explicado como se deu sua visita em uma escola privada de São Paulo, assim sugeriu que utilizássemos o material. Visitamos quatro escolas: escola pública de educação infantil e fundamental I (doravante Escola 1), escola pública de ensino fundamental I (doravante Escola 2), escola pública de ensino fundamental II e ensino médio (doravante Escola 3), por fim, escola privada de ensino fundamental II (doravante Escola 4); onde fizemos entrevistas com cinco alunos das seguintes faixas etárias:  Escola 1 (Educação infantil – 4 anos, 1º ano – 6 anos), Escola 2 (4º ano – 9 e 10 anos), Escola 3 (5ª série – 11 e 12 anos) e Escola 4 (6º ano – 10 e 11 anos , 7º ano – 11 e 12 anos, 8º ano – 12 e 13 anos).
Posteriormente, reunimos os dados coletados e juntos, pensamos nas respostas sob o olhar dos autores que estudamos, nos debruçando primordialmente na perspectiva histórico-cultural, considerando que Vygotsky nos foi de maior ajuda, por conta de seu grande interesse acerca da arte, criatividade e imaginação, assim nos oferecendo uma rica bibliografia para consulta. Relacionamos teoria e prática, fizemos um balanço geral do que foi encontrado e finalmente, selecionamos alguns tópicos para discorrer no seminário.
Análise teórica

            Antes de partirmos para a análise propriamente dita, julgamos de imprescindível importância, conhecer o sentido de arte, criatividade e imaginação. Adotamos as concepções de Vygotsky acerca de tais elementos.  Sabemos que para o autor, o social é fundamental para o desenvolvimento humano, é através da interação com o meio, que o sujeito se constituirá como tal. Onde a arte se encaixa em tal processo?
            Já dizia Marx: “A arte é o social em nós”, é na arte que encontramos o acervo cultural humano, emoções e pensamentos de gerações passadas. Através desta o sujeito se encontra com o outro, por meio de si mesmo. A arte é a técnica social do sentimento, pois vivenciamos nossas próprias emoções, através da obra de outra pessoa (VYGOTSKY, 2001, p. 315). O social influencia o sujeito que produz a obra, esta por sua vez influencia o sujeito que a vivencia e assim continuamos a construir o meio. Nos identificamos com músicas, livros, quadros etc; e para cada sujeito a emoção desperta será diferente, a (des) construção que fazemos da obra lida (verbal ou não-verbal) é o que se constitui como singularidade. Além disso, a arte tem função de catarse, isto é, transformação de sentimentos em suas soluções, elaboração de emoções (VYGOTSKY, 2001, p. 309). A arte provoca desequilíbrio, ao entrarmos em confronto com a obra, nos reestruturamos, descarregamos tensões, é o equilíbrio entre sujeito e meio. A arte é a técnica realizada através da criatividade que é: “Toda realização humana criadora de algo novo, quer se trate de reflexos de algum objeto do mundo exterior, quer de determinadas construções do cérebro ou do sentimento, que vivem e se manifestam apenas no próprio ser humano” (VYGOSTKY, 2009, p. 8)
            O ser humano possui em sua essência o impulso criador, criamos a todo instante, seja no modo de falar, se vestir etc. A base da criatividade é a imaginação e esta é o que há de mais evoluído no Homem, pois através de tal, podemos relembrar o passado (nisto, utilizamos a memória), pensar no presente e projetar o futuro. A imaginação diferencia o ser humano do animal. A fantasia é vista com maus olhos, por não ser considerada “real” e prática, mas pelo contrário, o processo de imaginação é um trabalho que envolve emoção e cognição, além disso influencia todos os campos funcionais[1] da pessoa completa de Wallon, o sistema nervoso é ativado com a fantasia, por exemplo, ao chorarmos assistindo a um filme. Como bem expressa, Vygotsky: “...representações fantásticas são impressões da realidade” (2009, p.16).
No entanto, a arte e todos os aspectos que a compõem vêm sendo relegados na sociedade e no âmbito escolar.  Como observamos nas entrevistas, a escola pouco valoriza a arte, a criatividade e a imaginação. De modo que nem mesmo os alunos conseguem associar criatividade à solução de problemas lógicos (os considerados práticos). No dizer dos alunos, observamos uma representação de arte que consiste no entretenimento, em algo que não rende frutos importantes. É como se arte não servisse para nada, além de divertir e passar o tempo.
Prossigamos para as análises referentes a cada faixa etária observada.

Ensino infantil (4 anos) e 1º ano do ensino fundamental I (6 anos)

Vygotsky em Imaginação e criação na infância traz o desenhar como expressão principal de criação na primeira infância, como diz Ana Luiza Smolka “...o desenho ou pintura pode significar sem necessariamente representar o real.” e que este se desenvolve por estágios.
No estágio inicial do desenho constatou que a criança “desenha de memória não de observação”, representando o objeto na forma de esquemas, ou seja, de maneira simbolista e não naturalista, em que figuras humanas e de animais, os preferidos das crianças, surgem como “seres esquemáticos”, transmitindo o que é conhecido ou o que a criança julga como essencial no objeto. Um exemplo disso acontece em desenhos que a figura humana aparece constituída de cabeça, pernas e braços (figuras cabeça-pernas).                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        
No estágio seguinte, ainda tomando a representação da figura humana como exemplo, o desenho, apesar de continuar esquemático, se aproxima do real, visto que a criança não oculta mais as partes, e as figuras comumente aparecem como raio X (as penas são desenhadas sob a calça).
Quando o terceiro estágio é atingido os esquemas desaparecem do desenho e em um quarto estágio a criança pode chegar a construir representações espaciais do objeto (perspectiva, luz e sombra), no entanto para isso o ensino deve atuar como mediador.
Na fase em que Vygotsky denomina infância tardia a criança rompe com a atividade do desenhar que pode voltar ou não entre os quinze e vinte anos de idade. Nesse contexto surge a questão: “Como temos que nos relacionar com a criação artística na idade de transição? Ela é uma rara exceção, deve-se estimula-la, dar-lhe importância, cultivá-la nos adolescentes ou deve-se pensar que esse tipo de criação morre de morte natural no limiar da idade de transição?” (2009, p.116). Diante de sua indagação o autor coloca o princípio da liberdade, em que a participação da criança ou adolescente nas aulas de criação é conseqüência de seus próprios interesses, não podendo ser compulsória ou obrigatória.
Esses pontos discutidos por Vygotsky foram facilmente observados nas Atividades Práticas, uma vez que as crianças de quatro anos entrevistadas indicaram o desenhar, pintar e brincar como principais atividades desenvolvidas na escola, acrescidas da presença dos contos de fada. Aos seis anos as situações as quais o aluno é exposto se diversificam , de maneira que a palavra escrita começa a ser introduzida tendo como ferramenta o desenho (atividades que relacionam o desenho com a palavra que o representa), além de brincar os alunos assistem filmes e teatro, de modo que a ampliação de experiências favorece a imaginação criadora. No campo do desenho e pintura ocorre um direcionamento para temas, como a natureza, e para a cópia de “quadros”, o que possibilita a apresentação de novas técnicas como a tinta e o pincel, porém sobre a cópia Vygotsky diz que esta compreende um estágio superior e difícil, pois a criança não conhece o objeto, apenas tenta reproduzi-lo em sua forma real. O pensamento infantil mistura elementos da memória, usando a imaginação para narrar suas experiências e até mesmo pensar nelas, trata-se da noção de pensamento sincrético dada por Wallon.
De modo geral, notamos que à medida que a criança cresce, outras atividades são inseridas e a brincadeira parece adquirir a forma de jogos esportivos e as letras a ganhar o lugar do desenho.

4º ano – 9 e 10 anos

No 4º ano, vemos que os alunos fazem desenho "livre", as atividades são ditadas pelo professor. Escrever é mostrar as palavras que saem da boca, aprender sobre a vida. As lições não correspondem à criatividade. Imaginar é pensar no futuro. Os professores apenas mandam e dão nota. Artista é artista de televisão e é importante para a sociedade, pois ajuda os outros (em vários sentidos). A criação de algum instrumento relaciona-se com o espaço. Escrevem sobre os índios, verbos, Monteiro Lobato, lendas e as coisas que acontecem na cidade. Os alunos gostariam de escrever sobre histórias que já conhecem. Escrever bem é escrever com a letra bonita, direito, para que a professora goste. 
Percebemos que a subjetividade do aluno é reprimida, as criações são impostas, assim os alunos inserem todo o grande potencial criativo que possuem em outros suportes, como a internet. Vemos que o meio influencia em demasia as ideias dos alunos, visto que a mídia encontra-se presente em grande parte das respostas dadas. A capacidade criadora dos discentes é tamanha, que até mesmo conseguem (des)construir saberes na internet, de forma impressionante, aumentado relações com o diferente/o outro nas redes sociais. Desenhando imagens de si mesmo e explorando conhecimentos. Na internet, a zona de desenvolvimento proximal é explorada pelo próprio aluno, que se vê diante de várias coisas que ainda não podem fazer sozinho, mas acaba conseguindo fazer depois de tentar algumas vezes, sem o medo de errar e serem avaliados.
             
5ª série – 11 e 12 anos

            O discurso dos alunos assemelha-se com o que foi dito pelos alunos da faixa etária anterior. Estes têm a mesma concepção de "boa escrita" que os alunos menores, a escrita é um fim em si mesmo, e não um modo de se expressar e constituir-se , transformar-se. No entanto, vêem na escrita, um modo de pensar melhor, estruturar o pensamento:
 Suas criações também dizem respeito a um meio de sair do lugar no qual se encontram. No entanto, a crítica ao modo de ensino é mais desenvolvida, os alunos sugerem outras formas de ensino, mostram-se ativos quanto a isto.
Estes escrevem textos sobre aprendizagem, mas gostariam de escrever contos e poesias. As criações continuam sendo impostas, mas os alunos já não podem fazer tantos desenhos, já que devem seguir a apostila do governo do estado de São Paulo, que traz um conteúdo sistemático, seguido à risca pelo professor.

6º ano - 10 e 11 anos

A partir da visita a uma aula de Arte, observamos que estavam sendo feitas montagens tridimensionais para mostra cultural, o conteúdo é ditado pela professora, tem como tema o "Tietê". A professora diz que não ensina o conteúdo de “História da Arte” pois acredita que os alunos não tem capacidade para aprender sobre tal tema. Vemos neste discurso, um traço do pensamento piagetiano, em que o sujeito aprende de acordo com a capacidade que seu estágio de desenvolvimento lhe permite. Os alunos gostam de escrever, quando se trata de tema livre e que não seja avaliado. Quando perguntamos sobre os professores, um aluno diz: “eu odeio todos”, os outros dizem que isto ocorre porque : “eles não entendem a gente”. Os alunos se expressam mais pelas redes sociais No entanto, para estes a criatividade é vista como um instrumento de expressão e transformação. A lógica dos alunos baseia-se, sobretudo, no capitalismo, os objetos que gostariam de inventar (tecnologia) dizem respeito a um modo de obtenção de dinheiro, ou então, como uma forma de extermínio da escola.

7º ano - 11 e 12 anos

 Pelo que observamos, as respostas são impostas, o professor legal é aquele que não exige muito, é paciente e brinca com os alunos. Quanto aos professores chatos: “às vezes, a gente começa a falar com outro professor e eles já, tipo, dão um cavalo na gente pra gente calar a boca”; outro complementa: “as professoras, tipo, elas só querem dar aquele negócio da aula e acabou”. Os entrevistados comentam ainda, que tais professores protegem poucos e deixam os outros a nível inferior.
 Não gostam muito de escrever, exceto quando se tratam de coisas que eles gostam, escritos que não sofrem avaliação. Escrevem bastante nas redes sociais. Criatividade serve para pensar, não possuem uma definição muito clara. Uma aluna cita que é criativa ao inventar desculpas por não entregar trabalhos. É interessante o fato de que a maioria dos alunos gostaria de ter fama e dizem que para isso precisam estudar muito. As criações estão relacionadas a instrumentos que façam coisas que eles anseiam inclusive matar a professora de português.

8º ano - 12 e 13 anos

Os alunos tem uma visão ruim de si mesmos. Fazem desenhos livres. Não gostam de ter muito trabalho, o imediatismo é notável.  Ninguém acha que a imaginação ajude no raciocínio. Ninguém gosta de escrever redação. Porém, os alunos gostam de escrever bastante nas redes sociais. A criatividade serve para interagir e "para as aulas de Artes". O artista é um pensador, estudou bastante, acham importantes mas não gostariam de ser artistas, preferem ser famosos. Os conteúdos são impostos, salvo nas aulas de Filosofia. Os alunos gostariam de ter em aula, temas que lhes são comuns, conhecidos. As criações estão relacionadas à tecnologia e dinheiro.

Considerações Finais

De modo geral, percebemos que os alunos mostram-se com pensamento moldado de forma a pensar no concreto acima de qualquer coisa, a abstração é relegada a segundo plano. Estes mostram-se extremamente criativos, gostariam que a escola abordasse temas que lhe são comuns, que fazem parte de suas experiências de vida, do dia-a-dia. Nisto, vemos a importância do meio em que vivem. Além disso, é notável a diferença de pensamento entre alunos da rede privada e da rede pública, enquanto estes tem o dinheiro como principal ponto de ancoragem, aqueles anseiam pela transformação social
No entanto, no tocante às aulas de arte e língua portuguesa, ambos sofrem com a imposição de conteúdos.
É de suma importância que a arte, a criatividade e a imaginação sejam trabalhadas nas escolas, o que vemos que não acontece nas escolas observadas. Sugerimos que os professores colaborem para aumentar o acervo de experiências dos alunos, oferecendo a estes um maior número de obras de outros, bem como a possibilidade dos aprendizes realizarem sua própria arte. A imaginação e a criatividade devem ser incentivadas, em todas as disciplinas, pois estas se encontram presentes até mesmo no modo como os alunos resolvem exercícios matemáticos, sobretudo na própria personalidade deste. É na arte que o aluno pode extravasar errar sem temer e assim descobrir novos caminhos. Como Vygotsky salientou, a arte “surge inicialmente como o mais forte instrumento na luta pela existência (...)" (2001, p. 10)
            O ser humano nasce com a capacidade de criar e pode realizar a criação até mesmo nas situações mais degradantes, é importante que a escola não reprima o impulso criativo² do aluno. Se não fosse pela imaginação, nada teria sido inventado, aliás, não seriamos humanos, muito menos sujeitos.[2]



Referências


OLIVEIRA, M.K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. SP: Scipione, 1997.

PIAGET, J. Psicologia da criança. Rio de Janeiro: Difel, 2003.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984

______. Pensamento e Linguagem. SP: Martins Fontes, 1998.

______. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

______. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico : livro para professores. Apresentação de Ana Luiza Bustamante Smolka; Tradução de Zoia Prestes. São Paulo, SP: Ática, 2009. 

WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70, 1995.


[1] Segundo Wallon, a cognição humana é alicerçada em campos funcionais, os quais são: inteligência, motricidade, afetividade e pessoa.
2  Vygotsky diz que o ser humano possui dois tipos de impulso: reprodutor e criador  O primeiro é vinculado à memória e o segundo é relacionado à imaginação. 

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