segunda-feira, 18 de junho de 2012


Alteridade e diversidade na formação dos sujeitos: uma visão da identidade sob a Zona de Desenvolvimento Proximal.
André Martins 084275Juliana Madeira 121063
           
Compreender o universo escolar através da psicologia permite que se olhe a escola sob outros aspectos. No sentido da formação do sujeito vemos que, através de autores como Vigotsky, existe uma permeabilidade entre universo político-social com o universo psicológico, um influenciando o outro constantemente. A partir deste prisma podemos analisar desde aspectos como a coordenação motora, até níveis mais subjetivos como a formação da identidade e, portanto, como se dão as relações entre as identidades, ou seja, como é desenvolvida a alteridade no processo educacional.
             Para tal intento, a título de mero levantamento de hipóteses preliminares sobre o tema, investigamos o universo simbólico e social de uma escola infantil privada e turmas de ensino médio de uma escola pública na região de Campinas. A percepção que os alunos têm de si é atravessada por vários fatores culturais, os modos de agir, gostos, roupas etc. Todos transmitidos e reelaborados nas relações sociais. Assim procuramos perceber a partir das observações, jogos e entrevistas como os próprios alunos se vêm durante a formação e em qual medida a escola tem preocupação com o trabalho sobre a alteridade.
             Cabe aqui fazermos uma abertura sobre o tema específico de nossa experiência. A alteridade, fator que nos orientou para as observações, é um tema oriundo da antropologia. É comumente falado sobre alteridade para se referir ao posicionamento do pesquisador diante de outra cultura. Como oposição ao etnocentrismo, ato que estabelece um distanciamento da pluralidade cultural, colocando sua cultura como superior às demais, a alteridade se apresenta justamente como o movimento oposto- o antropólogo, a fim de conhecer outro universo cultural se abre para a nova visão de mundo. Em suma trata-se de estar receptivo à diferença.
             No entanto, relembrando Lévy-Strauss, em uma cultura ocidentalizada onde a ideia de progresso e da superioridade técnica como superioridade cultural é calcificada na própria concepção de ser de cada individuo a noção de alteridade fica relegada a um nível secundário das relações humanas e, portanto, pouca importância é dada a ela na formação dos indivíduos.
              A noção de alteridade, tão importante a antropólogos e tão valorizada nas relações humanas, também é marcante na formação da identidade dos indivíduos em sociedade. Segundo Thomaz Tadeu Silva, a identidade não existe por si, necessita de uma oposição, uma diferença que irá afirmar a identidade através do que ela não é. Recorre, assim, ao universo linguístico, afirmando a relação de diferença que existe na construção da identidade. Nos mostra que as palavras contem em seus significados a negação de tudo que não as fornece significado, ou seja, também são definidas pelo que não são. Esse ponto de vista sobre a formação da identidade, que mostra que esta é criada na relação com a diferença coloca a noção de alteridade como um meio de grande relevância para processos educacionais preocupados com a sociabilização dos alunos.   
               Vê-se também a confluência com a obra do psicólogo Vigotsky. A ideia de identidade ser formada em relação social tem ligação direta com a Zona de Desenvolvimento Proximal, que delimita a capacidade de aprendizado da criança com a intervenção de pessoas mais experientes. Nessa ideia vê-se a importância do outro para formação do ser humano. Como mostra Marta Kohl de Oliveira:

  
              (...)ele atribui importância extrema à interação social no processo de construção das funções    psicológicas humanas. O desenvolvimento individual se dá num ambiente social determinado e relação com o outro, nas diversas esferas e níveis da atividade humana, é essencial para o processo de construção do ser psicológico individual. “(OLIVEIRA p. 60, 1997)

Assim como nas questões de motricidade ou conhecimentos necessários ao saber universal de uma cultura passando pelo caráter e pela afetividade e também pela sociabilização a ideia de desenvolvimento e aprendizagem acontecendo na esfera social, ou seja, determinando e sendo determinada, cabe perfeitamente na análise da formação da identidade dos indivíduos.

As experiências.
                A pesquisa de campo que foi realizada em uma pré-escola teve por objetivo buscar compreender o processo de formação da alteridade do individuo a partir da metodologia da escola e a influencia da educação familiar, para tanto foram observadas crianças de 3 a 6 anos em aspectos referentes à formação de sua própria identidade e identificação do outro.
               A escola onde essas crianças foram observadas utiliza um método que foge do tradicional, o que pode ser observado em algumas medidas adotadas, como por exemplo, não há uso obrigatório de uniforme, apesar de haver uma camiseta da escola que alguns alunos utilizam, ou o fato de apesar de terem uma sala fixa, de acordo com a sua idade, as crianças podem visitar outras salas e o que mais me chamou a atenção; o fato de as próprias crianças escolherem o nome de suas turmas através de votação. Tais características influenciam bastante no comportamento dessas crianças uma vez que as estimula a se definirem como individuo.
            Ao não haver uma roupa específica com a qual se deve ir para a escola a escolha fica teoricamente a cargo do individuo, porém, o que fica claro é que grande parte das vezes quem escolhe essa roupa, determina o que vestir/ não vestir são os próprios pais tal fato, comprova-se pelo numero de meninas vestidas de rosa e de vestido, com roupas de princesas e personagens tipicamente ‘de menina’ enquanto os meninos, apesar de não apresentarem um padrão tão bem definido de roupa aprendem esta distinção sobre o que podem ou não usar desde cedo, como pude observar em uma roda de crianças de três anos, onde os meninos diziam ‘eu não tenho vestido porque eu sou menino’.
Não passando apenas pela roupa o processo de formação e identificação do ‘eu’ permeia toda a estadia do aluno no ambiente escolar, desde momento em que este em conjunto com o resto de sua turma e com a professora, por meio de votação, se define como a turma ‘x’ e não ‘y’ ou no momento em que, ao sair da mesa do almoço a professora realiza uma espécie de jogo de adivinhação para deixar que as crianças saiam da mesa, nesse ‘jogo’ são apresentadas características de cada criança e estas se reconhecem e reconhecem ao outro por meio de falas como ‘acabou de ter uma irmã’, ‘fala muito’, ‘tem cabelo castanho’ etc.
            Para poder identificar melhor a questão do outro a partir da visão da própria criança foi realizada uma atividade de desenho nas salas com crianças de 4 a 6 anos, onde as crianças sentavam- se em duplas uma de frente para a outra e se desenhavam. No decorrer da atividade houve conversa constante entre as duplas. As crianças perguntavam umas as outras sobre a cor de seu cabelo, olhos, e no caso das mais velhas estabeleciam até mesmo comparações de como eram os suas características em oposição com a do colega com quem fazia dupla. Porém, ao perguntar à duas meninas de quatro anos o que uma tinha de diferente da outra estas não conseguiram compreender a pergunta.
Já nas turmas do ensino médio de escola pública percebe-se uma delimitação muito maior da noção de identidade. A partir do comportamento cotidiano dos alunos podemos notar como eles mesmos estreitam as inter-relações a partir de hábitos e maneiras de agir. Os grupos formados dentro das próprias turmas a partir da identificação, também mostram quais são os filtros que são estabelecidos na relação para que se possa pertencer a esse grupo. Apesar de não existir necessariamente uma fronteira para a relação entre os grupos, percebemos claramente a delimitação pela identidade.
            Os alunos se diferenciam principalmente pelos hábitos e pelo comportamento. Apesar de existir uma especificidade nas roupas femininas e masculinas ou que definem um gosto musical (punks, rappers, etc), não existe um conflito explicito nesse sentido, no entanto, pelos hábitos começam a surgir algumas contradições. Por exemplo, o garoto que fez um tratamento de cabelo e os outros garotos o tacharam de homossexual. Na escola visita também pudemos perceber outro grupo de alunos que se diferenciam do demais. Pelo fato de a escola estar localizada próxima a uma região rural muitos alunos moram em fazendas, então são tachados como ‘caipiras’ ou ‘pés-vermelhos’.
            Para aprofundarmos um pouco mais nas percepções que eles têm entre si, Criamos um jogo onde eles se identificariam através das próprias visões que eles têm deles. Utilizando características de identificação pedimos para apresentarem características próprias e (o que são e o que não são) características de um amigo, que seria mantido sem identificação, para que eles pudessem adivinhar quem era. A maioria das respostas foi relacionada ao nível econômico, cor, origem, traços da personalidade e em muitos casos mostravam certo tom pejorativo.
Percebemos, assim, que não existe nas escolas tradicionais um trabalho sobre a alteridade, aspecto que trata de uma sociabilização menos sociocêntrica. O tom que os alunos assumem para se referirem aos aspectos não aceitos muitas vezes não tem atenção dos professores ou funcionários, sendo que muitos deles também demostram um comportamento preconceituoso.
            Tendo em vista as observações em correlação com a teoria estudada comprovamos o papel central da alteridade na teoria de Vygotsky, onde destaca a questão do papel do outro para o bom desenvolvimento do individuo seja pela construção de sua identidade que só ocorre quando há a presença de outro ou pela questão da afetividade, coletividade. Concluímos que o papel do outro, assim como os autores supracitados já haviam notado, é crucial para o desenvolvimento humano e para a perpetuação dos signos existentes.



Bibliografia
SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais – Petrópolis, RJ; Vozes, 2000.SAWAIA, Bader Burihan. Psicologia e Desigualdade Social: Uma reflexão sobre liberdade e transformação social-  Psicologia & Sociedade- PUC- SP, 2009.FERNANDES, Idilia. O lugar da diferença e das diferenças nas relações sociais- Textos e Contextos nº6 – RS, 2006.OLIVEIRA, Marta Khol. Vigotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histórico.LÉVI-STRAUSS, C. Raça e História. Col. Os Pensadores. Ed. Abril. S.Paulo. 1976.

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